quarta-feira, 25 de junho de 2014

O modelo holístico na pastoral, em especial no aconselhamento.


Ao iniciar este trabalho é importante afirmar que as questões do ministério pastoral e em especial o tema do aconselhamento, são de altíssima importância à reflexão teológica, pois vivemos em um mundo marcado pela indiferença em relação ao cuidado à pessoa, já que o homem pós-moderno, apesar de precisar como nunca ser cuidado, se decepcionou com sistemas religiosos coniventes com a máquina global manipuladora, se tornando enfermo (física, emocional e espiritualmente) e pior que isto, tornou-se descrente de uma oferta sincera de ajuda.
Excepcionalmente, a tarefa a ser desenvolvida é muito árdua, pois além da mesma, faz-se necessário a conquista da credibilidade, derrubando assim a suspeita de que o desejo de cuidar seja integral e sincero.
 Ao introduzir, pois este trabalho desejo citar o pensamento de Platão:
                   “Pois este é o grande erro de nossos dias – os médicos separarem o corpo do espírito” [1].

 Penso que atualmente, esta seja a questão paradoxal e crítica para a relação aconselhamento-necessidade de cuidado, do homem descrente da atualidade em indispensável necessidade de interação com a graça de Deus, por Jesus, no Espírito Santo, homem este, ainda que inconscientemente, disponível na totalidade para os diversos dons e ministérios na igreja genuinamente cristã, e em especial, na área que trata dos feridos.

Concluo, esta introdução, afirmando que a nossa resposta a indagação de Jeremias a seguir deve ser positivamente contagiante:
Acaso, não há bálsamo em Gileade? Ou não há lá médico? Por que, pois, não se realizou a cura da filha do meu povo?[2].

II.  O modelo holístico na pastoral:
Ao lermos a tese de doutorado de Everton Ricardo Bootz, podemos constatar o seu objetivo em apresentar  o modelo holístico de aconselhamento, como forma de libertação e crescimento. Neste trabalho ele cita o pensamento de Howard Clinebell com relação a integralidade da cura, que acaba encerrando a visão holística proposta no tratamento a ser buscado, segundo ele:

 “As seis dimensões interdependes são: Uma mente avivada, um corpo vitalizado, relacionamentos íntimos enriquecidos, uma relação harmônica com a natureza, relacionamentos significativos com instituições sociais e um profundo relacionamento com Deus”. [3]

Observa-se, então, ao se fazer uma análise deste discurso, o contorno que este doutorando dá a sua proposta, primeiramente abalizando de forma mais especifica, o conceito do modelo holístico de aconselhamento, e logo a seguir demonstrando as convergências do pensamento holístico nas abordagens: holística, propriamente dita, contextual, que se refere ao tratamento do paciente tendo em vista os traumas sofridos em decorrência dos problemas, sócio-politico-cultural no qual o mesmo esta inserido e, espiritual, da qual ele fala sobre as questões mais interiorizadas do ser humano e os distúrbios decorrentes deste desequilibro interior. 
  
 É interessante, no entanto, notar que em todas as abordagens, ainda que de forma um tanto quanto ambígua (às vezes), ele faz convergir os itens aparentemente excludentes para uma conciliação, demonstrando assim a viabilidade do modelo holístico para a pastoral.

Ainda antes que possamos continuar, é importante que seja demonstrado aqui, a intenção de Everton Ricardo Bootz em fazer afluir as abordagens: contextual e espiritual para uma forma mais plena de aconselhamento, assim como creio que ele desejou em sua tese: 

  1. Na Abordagem contextual de uma poimênica de libertação[4]:
Ele acaba convergindo esta forma de poimênica para uma forma de interação  ( complementação ) entre racionalidade e espiritualidade (chegando fazer menção ao uso da intuição – lado direito do cérebro),  do financeiro com o koinônico, do teológico com o psicológico, passando também pela questão da hermenêutica bíblica com foco em libertação social, não deixando de mencionar o aspecto do numinoso. Enfim, percebe-se, entre estes e outros exemplos que podem ser extraídos do texto, uma preocupação do autor em conduzir a questão contextual para uma abordagem de harmonização do todo, de complementaridade, demonstrando assim uma filosofia holística, nas questões sócio-politico-culturais.

  1. Na Abordagem espiritual[5]:
Não diferentemente da abordagem anterior, observa-se a intenção de Everton Ricardo Bootz, em fazer convergir o espiritual para o holístico, onde mais uma vez ele menciona a questão da integralidade do viver humano chegando a afirmar que:
“A pessoa vive bem ao viver integralmente as diferentes dimensões da vida humana”.[6]  
 Daí em diante ele começa a demonstrar estas diferentes dimensões da vida humana:
  1. A racionalidade: com o foco no diálogo
  2. A emotividade: com o foco de “evangelizar os próprios sentimentos”
  3. A espiritualidade, propriamente dita.
   Podemos então a partir de suas considerações, observa-lo, trabalhando mais uma vez para demonstrar o espiritual com tendência para o holístico. Conforme ele mesmo afirma: “A dimensão social é diretamente influenciada por uma vida espiritualmente exercitada”, informação esta que deixa transparecer sua combinação entre questões sociais e espirituais em si, o que a meu ver, não deixa de ser uma forma saudável de pensar com relação à espiritualidade, pois é fato que as duas dimensões não se excluem mutuamente. Desejo, para ilustrar, citar o pensamento do Dr. Loring T. Swain, na esfera especifica do tratamento de pacientes:
“Tem-se tornado cada vez mais claro, como demonstrado, pelos médicos em toda parte, que a saúde física está intimamente ligada com a saúde espiritual e que, muitas vezes, depende dela”.[7]

      Desejei então até aqui, esclarecer a intenção do autor da tese, em convergir as abordagens supracitadas para um foco mais abrangentemente holístico, o que particularmente, não entendo como sendo maléfico para uma estratégia de aconselhamento pastoral . Tenho porém a esta altura da reflexão, uma preocupação de que sob o ensejo de sermos excessivamente abrangentes e ecléticos[8], “venhamos acalentar algumas sujeiras da banheira pensando serem elas também, parte integrante do bebê.” [9].

Cito a titulo de exemplo de minha preocupação, as influências orientais sob tratamentos terapêuticos com foco holístico como eles mesmos evocam para si o termo, podendo serem amplamente pesquisados em livros que abordam o tema e também na internet.  Desejo inclusive fazer citação de um destes sites:
                    “A massagem terapêutica holística é um conjunto de técnicas de origem ocidental e oriental. Exercida através de toques, suaves ou profundos, através das mãos visando atingir tecidos corporais com o propósito de produzir efeitos terapêuticos sobre o sistema nervoso, muscular, respiratório, circulatório, sanguíneo e linfático, local e sistêmico. O homem vive sob pressão do meio ambiente e isto provoca alteração e distúrbios freqüentes de saúde, abalando o equilíbrio energético como um todo, levando a estados agudos ou até crônicos de ansiedade, depressão e estresse. Existe uma conexão invisível entre o corpo físico e as forças sutis do homem, sendo estas a chave para a compreensão dos relacionamentos internos entre a matéria ... e meridianos, ou seja, nas linhas de forças do duplo etérico.. Na massagem terapêutica são usadas diversas terapias como: Shiatsu nos meridianos de acupuntura, Reflexologia, Quiroterapia, Osteopatia, drenagem linfática e limpeza e energização do sistema nervoso autônomo e dos gânglios... A massagem tem o objetivo maior de equilibrar o ser como um todo: no mental, no emocional e no energético”[10].  

III.    Implicações do modelo holístico no aconselhamento  pastoral:
A grande indagação a ser feita então a esta altura deve ser: Até que ponto ao invés sermos sal e fermento, seremos influenciados e levados por filosofias alheias a sã doutrina cristã?   ... Assim como já citei em outra oportunidade, reafirmo as palavras de John Wesley que servem como um tipo de fiel da balança desta indagação:
Quanto porém a todas as opiniões que não atingem a raiz do cristianismo ‘nós pensamos e deixamos pensar’”.  [11]

Então se por um lado, devemos nos preocupar com possíveis implicações negativas deste tipo de modelo de aconselhamento, sabendo fazer as devidas filtragens, que devem ser peculiares a critica teológica cristã, podendo ser citado aqui o exemplo de um dos grandes expoentes do pensamento cristão em todos os tempos:
§ Paulo: que soube fazer a transição de um cristianismo judaico fechado, com cautela para um cristianismo aberto para mudanças e de visão mais abrangente, resultando daí a igreja gentílica primitiva, da qual somos fruto. 
Enfim, nos inspiramos em homens como o mesmo Paulo e tantos outros como: Orígenes, que soube conciliar a filosofia grega com a doutrina cristã e o próprio John Wesley que soube em seu tempo fazer os devidos ajustamentos entre: Calvinismo, Arminianismo, Pietismo, Anglicanismo: fazendo emergir em decorrência da influencia sobre estas doutrinas[12], o pensamento ainda que não perfeito, mas certamente sincero: o wesleyanismo.

Todos estes pensadores cristãos estavam preocupados com a questão da complementaridade (teológica, cultural, social, espiritual, etc.)
Provavelmente por ser um metodista, penso que o caminho é o do equilíbrio, do sinergismo, da interação; não necessariamente o da conciliabilidade a qualquer custo, mas o caminho da análise benevolente para a conciliação.

Por fim, creio que o modelo proposto pelo autor da tese “CONSULTEI A DEUS, ELE ME RESPONDEU E ME LIVROU DE TODOS OS MEUS TEMORES” [13], Everton Ricardo Bootz, implica sim em benefícios para o aconselhamento pastoral, pois realmente faz-se necessário uma integração de esforços para curar o homem que pior do que dicotomizado ou tricotomizado, está integralmente ferido pelo pecado quer seja intima, quer seja contextualmente, entretanto, que possamos assimilar todas as propostas que surgem com a responsabilidade não somente de cuidar do ferido, mas também de sermos diagnosticadores dos males que em todos os tempos tentam infectar esta tão querida casa de misericórdia chamada Igreja.  

Trabalho que apresentei na UMESP para o curso de bacharel em teologia

[1] OLIVEIRA, Moysés Marinho de, 7 mil ilustrações e pensamentos para sermões, palestras e boletins – Rio de Janeiro – pág. 100, 6ª ed. JUERP, 1995.
[2] Jeremias 8:22.
[3] Afirmação sobre o pensamento deste autor mencionado na Página 37 da sua  tese de doutorado – vide nota de roda pé nº  148 e 149. 
[4] Sobre a abordagem contextual, vide págs. 41, à 52.
[5] Sobre a abordagem espiritual, vide págs. 53 à 55.
[6] Leia-se no 1§  da pág. 53. 
[7] OLIVEIRA, Moysés Marinho de, 7 mil ilustrações e pensamentos para sermões, palestras e boletins – Rio de Janeiro – pág. 100, 6ª ed. JUERP, 1995.
[8] Pensamento de filósofo do ecletismo: "Seu objetivo era a partir da filosofia eclética conciliar o que julgavam verdadeiro em todos os sistemas, considerados como manifestações parciais de uma verdade única e ampla. Em resumo, (...) é o Ecletismo uma reunião de teses conciliáveis tomadas de diferentes sistemas de filosofia, e que são justapostas, deixando de lado, pura e simplesmente, as partes não conciliáveis destes sistemas.(...) É recolher todas as grandes idéias suscitadas pelo progresso das idades, e em fundi-las no crisol de uma idéia nova" http://www.coladaweb.com/filosofia/ecletismo.htm, acessado em 12/06/2009.
[9] Ocorreu-me esta frase em contraponto a frase usada por nós em teologia de que: “devemos ter cuidado, pelo fato de que por estar suja a água da bacia, não venhamos jogar também bebê, ralo a fora”. 
[10]Sobre Massagem terapêutica holística. http://ippb.org.br/modules.php?op=modload&name=News&file=article&sid=2196 acessado em 12/06/2009
[11] Almeida, Anderson Caleb Soares de, Wesley Ainda Fala , Editora Valença S.A. p.47, 1998.
[12] Wynkoop, Mildred Bangs, Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana,  Editora Casa Nazarena de Publicações , p. 79 à 91, 2004.
[13] Vide na íntegra a tese de doutorado de Everton Ricardo Bootz  http://www3.est.edu.br/biblioteca/btd/Textos/Doutor/bootz_er_td34.pdf